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A Mansão Assombrada | Conto de Horror

Escrito por: Herica Freitas

Crianças são seres muito curiosos, e por vezes costumam ir além de sua capacidade para sanar suas dúvidas. Todavia, existem alguns casos em que elas passam dos limites, colocando em risco suas vidas e a vida de outras pessoas. Por isso, mantenha sempre um adulto responsável por perto quando o assunto for investigar uma mansão hipoteticamente mal assombrada. Indicado para 16 anos ou mais.

Que as crianças são muito curiosas, todo mundo sabe. Entretanto, existem certas ocasiões em que sua curiosidade excede os limites de saúde e segurança delas ou de terceiros. O caso que vou relatar ocorreu em 1990, numa cidade portuária, uma ilhazinha na verdade, chamada Atlas. A cidade era bem movimentada, pelo seu porto e comércio de pescados. Quem não era pescador, era cozinheiro de frutos do mar ou capitão de navios, operador de guindastes, ou melhor, qualquer profissão voltada para a pesca, armazenagem e comercialização dos produtos pesqueiros.

Todos os Atlasianos eram corados de sol, vestiam-se em sua grande maioria com roupas casuais, pelo calor da região, e praticavam atividades físicas relacionadas ao mar, como natação e surf. As crianças eram muito animadas, e por ser uma ilha bem pequena e com poucos moradores, elas quase sempre estavam sem a companhia de um adulto ou responsável. Brincavam pelos portos, andavam de bicicleta, frequentavam o único fliperama da ilha e entravam às escondidas nos cinemas.

Arthur, ou simplesmente Art, estava na flor de seus 11 anos, e era o campeão de Pacman do arcade “Hora do Jogo”. Ele andava sempre na companhia de seus três fiéis amigos, Ana (10), Clóvis (9) e Miguel (12). Juntos eles percorriam toda Atlas, com exceção, de um único lugar. Na pequena ilha, havia uma mansão localizada no alto do maior pico, jamais habitada por alguém, é o que todos os adultos contavam. Conhecida como a mansão mal assombrada, estava lá havia gerações, e ninguém nunca soube explicar quem a havia construído.

Há quem diga que a mansão seja um portal para outra dimensão, outro mundo, cheio de criaturas horrendas. Muitos acreditam ser o portão do inferno, que lá residem demônios prontos para levar suas almas. Outros, dizem que um vampiro morou ali, mas que morreu com uma estaca em seu peito, fincada por um herói que de lá jamais saiu. No entanto, ninguém sabe qual dessas histórias é de fato a verdadeira, fato é que ninguém, seja adulto ou criança, tem coragem de ir até aquela mansão.

No dia 31 de outubro, de 1990, data comemorativa do Halloween, Arthur e sua trupe andavam vestidos de caça-fantasmas pela vizinhança, pediam doces ou travessuras. O combinado era que as crianças estivessem de volta em casa às 10 da noite, ou seus pais ficariam muito nervosos. Mas o inesperado ainda estaria por vir. Art, que era um garoto muito competitivo, cheio de postura de líder e decidido, fora desafiado por seu rival, Jhony. Ele, chamando Art de covarde e medroso, o incentivou a subir a colina para a mansão assombrada.

Art, que não gostava de perder, nem mesmo ser chamado de fraco, convenceu seus companheiros a irem consigo, porém disse a eles:

-E faremos mais do que isso! Entraremos naquela casa.

Era uma ideia louca, mas que enchia o corpo do garoto de adrenalina. Suas mãos suavam, seu coração batia rápido e sua respiração estava descontrolada, não sabia se era nervosismo ou o cansaço de subir aquela colina alta.

Chegaram ao topo, e lá estava ela. A mansão com seus três andares, visivelmente abandonados. O primeiro composto de uma porta alta, janelas totalmente cobertas por cortinas brancas que não balançavam com os ventos da alta colina, pois os vidros estavam abaixados. O segundo andar, também repleto de janelas, com as mesmas características, Art e seus amigos podiam jurar que as do segundo andar eram mais assustadoras. No terceiro havia janelas como as demais, com a diferença estrutural da presença de uma torre, parecia como um pequeno castelo que exibia longa janela curvada. Esta, porém, pregada com tábuas pelo lado de dentro.

Ana reparou a madeira parcialmente deteriorada pela umidade proveniente do mar e, principalmente, devido aos séculos de exposição a tal ambiente. “Precisamos mesmo entrar?” perguntou Clóvis que estava com as pernas tremendo, claramente amedrontado. “Não existe essa coisa de fantasma, isso é lenda pra gente não vir aqui”, Art respondeu com um ar destemido, e complementou com um “Vamos!”. Art, como esperado, partiu primeiro, liderando o grupo como sempre fizera, caminhou em direção à cerca viva que os separava da grande porta de entrada da casa, ela possuía cerca de um metro de altura e meio de largura, com galhos emaranhados entre si, alguns secos, outros com espinhos e uma ou outra folha verde. Olhou para ambos os lados antes de pular a cerca e, quando o fez, ao tocar o solo do interior do terreno sentiu um frio tomar conta de seu corpo.

Depois de Art foi a vez dos companheiros, primeiro Miguel, que por ser o mais alto não teve muita dificuldade em pular sem tocar a cerca, depois Ana, que acabou cortando sua mão em alguns espinhos, por fim Clóvis, que olhou para a cerca, olhou para os amigos e depois para a janela da torre de castelo no terceiro andar. Nesse momento, o garoto viu uma silhueta observar as crianças pela fresta de uma tábua, o que o deixou amedrontado demais para pular, ele apenas gritou e correu colina abaixo, deixando os três amigos para trás.

Sem entender, e sem enxergar o que Clóvis havia visto, Art, Ana e Miguel partiram rodeando a casa, tentando ver seu interior pela fresta das janelas, mas sem sucesso. Deram a volta pelo lado esquerdo, até atingirem o quintal traseiro do local. Observaram então que a cerca viva acabava à beira de um precipício muito alto, que ia de encontro ao mar e a muitas rochas pontudas. Voltaram seus olhares novamente para a casa, perceberam que um alçapão estava de portas escancaradas, como se os convidasse para entrar.

Art pegou sua lanterna do bolso e indicou o alçapão com a cabeça para Ana e Miguel, partiu à frente caminhando devagar até a entrada. Ele iluminou com sua lanterna, mas conseguiu enxergar apenas degraus de uma escada que não parecia ter fim devido à escuridão. “Temos que entrar, a lanterna não está ajudando”, Art disse colocando o primeiro pé no degrau mal iluminado, o segundo pé veio em seguida, mas sem esperar, Art foi jogado ao chão escada abaixo, em função do degrau apodrecido que cedeu sob seu peso.

“ART!” gritaram os dois amigos ao verem o garoto sumir para a escuridão. Art sentiu dor enquanto caía e rebatia pelas quinas dos degraus, e depois de muito rolar, sentiu seu peito bater sobre um chão frio. Sentia dor, estava zonzo, seu ouvido zumbia, sequer ouviu seus amigos gritarem seu nome, não enxergava nada pois a lanterna havia caído de sua mão com a queda da escada. Segundos após o acidente, retomou a consciência, conseguiu identificar um facho de luz vindo de sua direita, sua lanterna provavelmente havia rolado para longe. Se levantou com dificuldade, suas pernas ardiam, seus cotovelos também e suas costelas doíam ao respirar.

Lá fora, Miguel e Ana estavam desesperados, tentando ver algo dentro da casa, mas sem sucesso. Ana já estava com seus olhos cheios de lágrimas, porém Miguel ainda se mantinha firme. Depois de algum tempo respiraram aliviados ao ouvir a voz de Art advinda do final da escada:

-Eu me machuquei, me ajudem…

Ana ainda chorosa perguntou:

-Mas a gente vai cair também?

-Não se a gente der a volta – Miguel completou -“Art, você consegue abrir uma porta ou janela?

-Sozinho? – ele respondeu.

-Está com medinho? – Miguel caçoou.

-Não, cla…claro que não.

-Então abre a porta aqui dos fundos.

-Tá…tá bom.

-A gente vai esperar lá na outra porta, tá bom? Vem, Ana.

Art virou-se de costas para a escada, tentando iluminar o máximo que podia. Estava em uma espécie de porão, mas não via nada além de silhuetas cobertas de lençóis brancos, como se a mudança de alguém nunca tivesse sido buscada. Não conseguia distinguir as formas, ao menos não ousou descobrí-las para saber. Poderia jurar ter visto algo se mexer por entre elas, mas tentou ignorar este fato, pois já estava amedrontado demais, “Tá tudo bem”, repetia baixinho diversas vezes. Caminhou por entre a mobília, sentiu uma respiração em seu pescoço, gritou, deixou a lanterna cair no chão, agachou-se tapando os ouvidos com os braços.

Algum tempo depois, a agonia deu lugar à coragem para esticar a mão e pegar a lanterna, então olhou ao redor e não viu ninguém. Ouviu da extremidade de uma segunda escada um rangido de porta se abrindo, sozinha em meio à inquietante ausência de outros sons. Ficou imaginando que alguém poderia ter aberto para ele, talvez um fantasma? Um demônio? Um ladrão? O vampiro das velhas estórias? Seja lá o que fosse, Art não conseguia imaginar nada de bom vindo dalí. Pensou em retornar, e tentar subir a escada podre para voltar para fora. Correu até o primeiro degrau, mas ao olhar para cima, para  fora, viu a entrada se fechando com rapidez.

Sem ter para onde ir, voltou para a porta que havia se aberto, engolindo em seco, estava tremendo, suando, não sabia se de dor ou de medo, mas estava. Começou a subir lentamente os degraus, que rangiam mais que a porta que se abriu, estava tremendo tanto que a luz de sua lanterna se projetava trêmula pelos degraus empoeirados. Chegou à porta, estava olhando para o assoalho de madeira, com medo de projetar a luz para frente e encontrar quem a havia aberto. Percebeu então que no chão haviam marcas de arranhões, como se algum bicho, ou pessoa, tivesse sido arrastado naquela direção.

Colocou o primeiro pé para dentro do cômodo à sua frente, momento em que sentiu  alguma coisa agarrar-lhe o tornozelo, precipitando-o com muita força para a grande sala vazia. Sua lanterna caiu no chão, rolando para dentro do sótão, deixando o garoto totalmente no escuro. Sentiu seu corpo ser arrastado, uma força lhe puxando a perna, mas não via nada, nem ninguém. Gritava, arranhava o chão, mas era levado cada vez mais rápido para algum lugar. Foi jogado contra uma parede, sentiu seu dorso bater com força, o que lhe causou uma falta de ar momentânea. Se esgueirou pelo chão até um canto entre duas paredes, que formavam noventa graus, e agarrou os joelhos. Com os olhos se acostumando à pouca luz olhava ao redor, não via algo, ninguém, nem vivo, nem morto, mas não estava louco. Ou estava? Sentiu alguma coisa o agarrar e o arrastar até ali.

Talvez estivesse escuro demais para que ele visse algo ou alguém. Talvez não houvesse de fato alguém e seu medo o fizera imaginar aquilo. Mas a dor era real, o ralado em seus joelhos e cotovelos e a dor em suas costelas era real. O tombo da escada fora real, seus amigos viram. “Meus amigos”, pensou. Uma coragem repentina tomou conta do garoto, que correu até a janela mais próxima, mas ao remover a cortina para olhar lá fora, não viu Atlas, mas sim um misto de fogo e luzes como raios que cortavam um céu laranja e mórbido. Não se podia distinguir o que era chão e o que era céu, tudo parecia céu e tudo parecia chão. Ficou desesperado, pensando onde havia se metido. Seu desespero se elevou ao ouvir uma canção, um coro de crianças que cantavam:

Ele vive,

E quer te ver sangrar.

Ele vive,

E vai te pegar.

Ele vive,

E não adianta chorar.

Ele vive,

E está vindo te matar!

“NÃO!”, gritava. Se sentou novamente, com as costas protegidas pela parede, segurou seus joelhos. Art chorava, soluçava, tudo nele doía. Estava arrependido, seu coração batia tão rápido que era difícil respirar. Suas lágrimas misturadas ao nariz escorrendo, tinham um sabor salgado e ferruginoso ao mesmo tempo. Percebeu que o que lhe corria o nariz não tinha nada haver com seu choro, era sangue. Agora o garoto ouvia passos, pesados, arrastados e devagar. Sentia suas veias pulsarem no pescoço, experimentava o medo de uma forma que nunca havia sentido.

Viu à sua frente uma silhueta, parecia um homem, mas ao mesmo tempo um bode, tinha cascos, mas somente duas pernas, peludas e sujas de sangue. Seu peito estava nú, marcado por um pentagrama em carne viva. Seu coração era completamente exposto, batia na mesma velocidade de seus passos. O rosto era vazio, branco, sem olhos nem nariz, somente uma grande boca cheia de dentes pontiagudos e uma língua bifurcada que mal cabia nela, fazendo a baba pegajosa  escorrer pelo seu queixo e peito.

Art fechou os olhos na tentativa de sentir menos medo. Podia perceber a criatura se aproximando. Os passos estavam cada vez mais altos, e quando finalmente pararam, Art sentiu uma mão lhe segurar pelos ombros, queimava feito brasa, sua roupa pegara fogo no momento do toque, sua pele se inflamou em bolhas em carne viva, ele gritou de dor. Mais uma mão, agora em seu ombro esquerdo, a mesma sensação. Sentiu seu corpo ser levantado, não queria abrir os olhos, mas o fez, viu uma grande boca se abrindo. Não viu mais nada depois que a boca lhe mordeu a cabeça.

Lá fora, Miguel e Ana esperavam a grande porta se abrir, estavam crentes que os passos que escutavam vindo do interior da casa eram de Art. Ouviram então uma chave girar do lado de dentro, viram a maçaneta girar do lado de fora. A porta se abriu. Miguel, confiante, puxou Ana pelo braço, empurrou a porta com o corpo e entrou com a garota. Ao chegarem lá dentro, perceberam que não havia ninguém, nem mesmo Art. “Não tem graça, Art”, ele disse. Ouviu-se então passos pesados, vindos de um cômodo ao lado. Miguel e Ana foram puxados pelos tornozelos e a porta da frente se fechou com um solavanco.

 



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