ContosFantasia Medieval

O Mago Louco – Parte 1

Escrito por: Leo Rodrigues

A loucura, muitas vezes, pode ser confundida com a falta de compreensão dos demais para com os objetivos de cada indivíduo. Seria Ragy Lemar louco ou apenas um homem em busca de conhecimento e de explorar as possibilidades de seu mundo?

CAPÍTULO 1: Na trilha

 

   Era uma noite fria e sem luar, apesar de não ser inverno. No grande continente de Etron era comum a temperatura ficar mais baixa, suas gigantescas árvores com copas atingindo mais de 100m de altura estavam úmidas.

  O céu estava escuro como um poço fundo, porém recheado de infinitas estrelas formando constelações que davam asas à imaginação dos homens, estes se reuniam em volta das fogueiras para contar histórias de outros tempos. Histórias de como surgiram a terra, o céu, os homens, as mulheres, os mares, as montanhas, histórias incríveis sobre heróis de um tempo longínquo, bem como sobre os heróis dos dias presentes.

   Cantarolavam, ao som de batuques e flautas, cantigas que seus avós lhes ensinaram, algumas sobre magos poderosíssimos e como eles podiam controlar a natureza, como venceram a guerra contra os dragões e os gigantes, até mesmo como eram capazes de enganar o próprio tempo e a morte. Naquele tempo a magia era farta, mas escasseou e apesar de ainda existirem magos  agora são raros e não têm mais o prestígio de outrora.

   Em algum lugar no Norte, no meio da floresta de Doow, havia uma trilha antiga já quase inteiramente recoberta por arbustos e capim. A mata primária fechada, unida à escuridão e aos sons dos animais daquela região criava uma atmosfera de tensão e terror para qualquer humano comum, mas Ragy Lemar não era uma pessoa ordinária, era conhecido como “o louco”.

   Ele tinha 1,70 metro, cabelos e barba compridos e castanhos, assim como os olhos fundos. Era forte, tinha porte físico atlético devido aos anos de treinamento em combate e a pele branca bem bronzeada, por conta de suas peregrinações. Apesar de ser um homem bonito, não cuidava de sua aparência, estava sempre com os cabelos emaranhados e despenteados, a barba cheia e desalinhada.

   Ele vestia uma túnica azul marinho com uma corda prateada amarrada na cintura e carregava consigo um grande cajado, com uma turmalina extremamente bem polida na ponta, que o auxiliava a atravessar trilhas difíceis, além de ser o seu xodó.

   Ragy Lemar tinha por volta de 30 anos, mas aparentava ter mais, suas muitas cicatrizes lhe garantiam um ar de experiência, já seu jeito calado, de sabedoria.

   Ele não sabia ao certo porquê estava naquela trilha, mas confiava inteiramente em seus instintos, sentia em sua alma que no fim daquele caminho esquecido haveriam grandes glórias e sabia também que, como um bom mago, sua intuição jamais o enganaria.

   Ali naquela floresta assombrosa, lembrava-se de sua infância, de como sua mãe costumava dizer para que ficasse longe do bosque nos fundos da fazenda da família Lemar, pois lá morava uma criatura terrível, que em noites sem lua saía para caçar e rasgava as entranhas de alguns animais da pequena propriedade para se alimentar.

   Revivia em sua memória o dia em que se deparou com a criatura. Em uma manhã ensolarada, estava brincando de pique com seu primo mais velho, e sem perceber, correram bosque adentro. Seu primo, Felan Magrab, conseguiu despistá-lo e quando finalmente se deu conta de onde estava, o pequeno Ragy congelou de medo.

   Como se não bastasse, avistou bem à sua frente, olhando diretamente para ele, um lobo negro com olhos amarelos e os dentes brancos e afiados para fora da boca espumando saliva, rosnando e com as orelhas rijas em pé, em posição de ataque.

   O jovem estava paralisado, mal conseguia respirar de tanto medo, seus olhos vidrados naquela criatura magnífica e aterrorizante. Queria correr, gritar, mas seu corpo não o obedecia. A criatura se agachou preparando o ataque.

   Naquele momento, o chirriado de uma coruja chamou sua atenção afastando suas lembranças. Caminhando por aquela trilha podia enxergar graças à luz bruxuleante que emanava de sua turmalina, não era forte, mas transformava a escuridão completa em uma leve penumbra.

   A atmosfera naquela floresta era desconfortável. Ragy acreditava que seu grande poder inspirava cobiça, e desde que abandonou o passado em sua terra natal, tinha a sensação de que estava sendo seguido, sabia que não era coisa boa.

   Ouvindo um farfalhar atrás de si naquela trilha abandonada decidiu acelerar o passo. Desviando de galhos secos retorcidos, tocos, raízes, até mesmo de algumas árvores caídas no caminho. Seguiu sempre confiante, sem olhar para trás.

   Sem se dar conta, suas memórias voltavam a aflorar, e se via novamente paralisado de medo em frente àquele animal negro, pronto para rasgá-lo como fazia com os animais da fazenda.

   Mas antes que fosse tarde demais, em um ímpeto para salvar a própria vida, o jovem saltou para o lado, rolando uma pequena ribanceira abaixo. Ela tinha não mais que 4 metros de altura, mas o suficiente para quebrar a perna direita, dois dedos da mão esquerda, ter alguns arranhões e desviar da investida da fera, que parecia degustar cada momento, como se estivesse se alimentando do desespero daquela criança.

   O lobo descia calmamente a ribanceira, saltando com maestria entre as raízes retorcidas, acercando-se daquele sujeito indefeso, com uma postura de superioridade e poder, parecia saber que seu almoço estava servido.

– FELAAAAAN!!! ME AJUDA! – Gritava o pequeno rapaz desesperado. Mas não tinha respostas, além de um rosnado feroz.

  O lobo se aproximava vagarosamente, enquanto Ragy tentava se arrastar para longe dele, desesperado. Contudo, percebeu que era inútil tentar fugir, então procurou algo que pudesse usar como arma à sua volta. Jogou algumas pedras no lobo, que não surtiram  efeito algum, e o animal o alcançou, pisou em sua perna quebrada, ele gritou. Pisou em seu peito com as duas patas dianteiras, o peso do bicho era impressionante, comprimia seus pulmões, não conseguia respirar, quis gritar, mas o som não saiu.

   Aquela fera negra aproximou-se do rosto de sua presa cheirando-a, era possível sentir o bafo quente de sua respiração, e lambeu seu rosto deixando-o babado. O jovem tinha se entregue, quando ouviu ao longe seu primo gritando: “Ragy! Cadê você? Sua mãe vai matar a gente se não voltar para casa agora! ”.

   Foi o suficiente para chamar a atenção do lobo, que desceu as patas dianteiras para o chão, e como uma medida desesperada, Ragy alcançou um galho partido esticando seu braço direito e enfiou-o com toda a força que tinha no pescoço do animal, que soltou um ganido estridente e começou a se debater tentando tirar o galho enfincado em seu pescoço, até cair no chão soltando um leve uivo de sofrimento.

– Ragy! Até que enfim! O que aconteceu? Você está machucado! Vamos pra casa, eu te ajudo. – Disse Felan em uma mistura de alívio e preocupação.

– Felan, cuidado! Ele ainda pode estar vivo… – Alertou Ragy – O lobo… eu, eu… tanto medo, achei que, que ele ia.. eu ia mor.. – Ragy Lemar desabou em lágrimas e soluços.

– Do que você está falando? Está tudo bem agora, eu vou te levar pra casa! Fique calmo, primo. Está tudo bem, eu estou aqui! Não vou mais te perder de vista.

Ragy tentou se acalmar, e respirou fundo para poder avisar ao primo: “O lobo, temos que levar o lobo, eu matei ele! Ele está ali, vamos levar ele!”

– Ragy, do que você está falando? Não tem lobo nenhum! Deve ser efeito da queda, você deve ter batido a cabeça. – Disse Felan bem preocupado.

   Ragy se virou para onde o lobo tinha caído, e viu que realmente ele não estava mais lá, nem ele e nem o galho partido.

   Todos que ele conhecia na pequena cidade acharam que ele estava mentindo quando contava essa história, que ele havia inventado isso, pois era vergonhoso demais admitir que caíra sozinho e quebrara a perna no bosque.

   Aos poucos, com as recordações de todos lhe dizendo que era um mentiroso, foi voltando sua atenção novamente para o presente, aquilo já não o incomodava mais.

   Ao passo em que avançava na trilha, sentia uma angústia crescente em seu peito, sua respiração estava ofegante, ele suava frio, segurou o cajado com mais força para que não escorregasse da mão suada, sentia uma pressão pulsante atrás dos olhos, suas pupilas dilatadas e os pêlos arrepiados.

   Já sentira essa sensação antes, quando encarou o lobo pela primeira vez e várias outras vezes. Sabia que o mal o alcançara, estava quase no final da trilha, mas não tinha outra opção, Ragy Lemar precisava enfrentá-lo.

 

 

CAPÍTULO 2: Uma noite na taverna

 

   Em uma pequena e destruída vila ao Leste da floresta, residiam alguns pobres coitados, que tinham como única alegria ir à taverna para lembrar dos tempos em que aquele lugar decrépito fora povoado, bonito e muito respeitado em todo o continente. Era conhecida como Vila dos Diamantes, por conta de uma caverna adjacente ao mausoléu da antiga Igreja da Vila, que acreditavam ser uma fonte inesgotável de riqueza.

   Durante a última grande guerra entre os reinos do Norte e Sul, o grande exército sulista invadiu a pequena vila, foi uma batalha desleal e sangrenta. Antes que pudessem se dar conta do que lhes havia atingido, a Vila dos Diamantes fora praticamente extinta.

   Boa parte dos homens e mulheres, que não morreram na batalha, abandonaram aquele maldita vila, buscando um lugar melhor para viver. Naquela caverna, jogaram todos os corpos, vivos ou mortos, de quem se opusera aos sulistas e atearam fogo e uma maldição. Por fim, bloquearam sua entrada, garantindo que o reino do Norte não pudesse mais utilizá-la para financiar a guerra. A vila ganhou um novo nome: Vila das Cinzas.

   Agora, 15 anos depois do final da grande guerra, alguns aventureiros destemidos, ou gananciosos, ou ambos, arriscam-se a ir à vila desbravar a antiga caverna em busca de seus diamantes. Porém, não se sabe de ninguém que tenha saído de lá com mais do que histórias de como são peculiares seus moradores, ou de como a caverna é amaldiçoada. Alguns falam sobre esqueletos, outros sobre espíritos, existe até uma versão que fala sobre vampiros e wendigos. Apesar do histórico, todos concordam que na caverna há tesouros valiosos a serem descobertos e saqueados.

 

 

   Voltando à taverna, lá estavam os seis peculiares moradores da Vila das Cinzas. Will Burley, o dono da taverna, e sua filha Dorothy, serviam prestativamente a todos que entravam em seu pequeno estabelecimento. Sentados ao balcão em bancos altos estavam a Madame Puff, dona da estalagem que servia como ponto de apoio para os visitantes da vila, com uma grande caneca de cerveja weizen, com um belo colarinho. Sentado ao seu lado estava o mau encarado Pratt Strongarm, ele sempre se gabava de ser o melhor ferreiro em um raio de quilômetros, que estava se deliciando com uma caneca de cerveja bem lupulada.

   Junto a eles, tomando uma discreta taça de vinho estava o padre Lucius, seus votos lhe impediam de sair daquele lugar, pois ele fora designado para cuidar da Igreja daquela pobre vila, então lá ele deve permanecer até seus últimos dias.

   Em uma mesa, um pouco afastado deles, estava um forasteiro. Bóris era um aventureiro que após uma excursão para a caverna se tornou um bêbado e nunca mais saiu da vila. Tomava um copo de whisky e arquitetava silenciosamente sua próxima excursão, a qual seria sua sétima tentativa.

   Todos estavam sentados na taverna, como faziam todas as noites, quando foram surpreendidos pelo grito desesperado de um homem, não longe dali. Correram para o lado de fora, curiosos e instigados a saber o que estava acontecendo, com exceção de Boris que estava ocupado demais em seus próprios pensamentos.

– O grito veio de dentro da floresta! – afirmou o padre Lucius.

   Todos concordaram olhando fixamente para a entrada da trilha em meio às gigantescas árvores.

– Alguém deveria ir lá ver se está tudo bem. – sugeriu Dorothy com voz trêmula.

– Não há o que temer, minha jovem. – acalmou-a o padre. – Senhor Strongarm, o senhor poderia buscar uma de suas espadas para mim?

   Pratt Strongarm concordou com a cabeça e foi à ferraria buscar uma de suas espadas favoritas, feita com madeira de pau-ferro e cobre, com o fio banhado à prata polida.

– Padre, eu vou com o senhor! – se ofereceu Will Burley, o dono da taverna. – Filha, toma conta de tudo por aqui, e não deixe aquele bêbado sair sem pagar!

   Os dois saíram em direção à floresta densa, o padre carregando a espada com uma das mãos e uma tocha na outra, enquanto Will levava apenas uma tocha para iluminar o caminho, os outros três os seguiam apreensivamente com o olhar.

   A floresta era densa e a trilha estreita o suficiente para que passasse apenas uma pessoa de cada vez, o padre Lucius apressou-se em ir na frente, seguido bem de perto por Will. Foi necessário andar apenas uns 200m para que eles pudessem achar a fonte daquele terrível grito.

– Padre, olha ali! – alertou Will com espanto, apontando para o corpo de um homem estirado ao chão.

  Aproximaram-se com cautela, o homem aparentava ter uns 40 anos ou mais, tinha cabelos e barba castanhos e usava uma túnica azul marinho. Ele estava inconsciente, segurava um cajado partido um pouco acima do meio, com suas partes conectadas por um único pedaço de madeira fino, e estava com 3 arranhões muito próximos ao olho esquerdo, que pareciam ser das garras de algum animal.

   A área em volta do corpo estava uma bagunça, galhos quebrados, árvores perfuradas e cortadas, e a grama pisoteada.

– Parece-me que ele foi atacado por alguma fera. Vamos tirá-lo daqui e levá-lo para a estalagem da Madame Puff, ela poderá conceder cuidados a esses ferimentos. – disse o padre Lucius com convicção.

– Pode deixar que eu carrego ele! Fique atento no caminho e mantenha os olhos abertos pra essa fera não nos pegar de surpresa! – falou apreensivo Will Burley.

   O homem era pesado, e Will teve dificuldade de carregá-lo para a Vila, mas seu ego não o deixou se queixar. Ao voltarem para a taverna, Madame Puff e Pratt Strongarm ainda estavam no lado de fora, curiosos para saber o que teria acontecido.

– Madame Puff… prepare uma cama pra… esse sujeito… ele vai precisar… de cuidados também… vou carregar ele… pra estalagem. – falou Will, ofegante.

– Eu te ajudo a carregar! – se ofereceu Pratt.

– Não precisa! Tá.. tá leve! Tá tranquilo..

– Homens… – disse baixinho Madame Puff revirando os olhos enquanto se apressava para arrumar uma cama para aquele homem desacordado.

 

 

CAPÍTULO 3: O mal surge das sombras.

 

   Lá estava Ragy Lemar, no meio da floresta, envolto pela escuridão tenebrosa, sua cabeça inteira latejava. Ele olhava para todos os lados, segurando o cajado com as duas mãos, pronto para atacar ou defender-se. Logo em frente a ele, no meio de dois arbustos baixos nada simétricos, ele conseguiu reconhecer um par de olhos pequenos e vermelhos brilhando, olhando fixamente para ele, não era um olhar humano, muito menos amigável.

 

   Quando Ragy se preparou para golpear aquela criatura, ele percebeu pela sua visão periférica, em um ponto mais alto, outro par de olhos, e outro, e outro… com certeza eram mais de dez, estava cercado.

   Aqueles pequenos seres começaram a movimentar-se em torno dele, de um lado para o outro, moviam-se rápido como o vento, pareciam subir e descer dos galhos das árvores mais altas sem dificuldade alguma. O homem tentava em vão acompanhar aqueles movimentos, girando para um lado e para o outro, esmagando pequenos galhos e folhas à sua volta.

   Os seres tinham o pequeno corpo cheio de pêlos pretos, que os ajudavam a se esconder nas sombras, quatro patas com garras afiadas, assim como os dentes serrilhados, as orelhas eram pequenas e pontudas, os olhos inteiramente vermelhos, e possuíam um rabo comprido e poderoso que os auxiliava na locomoção.

   Ele sabia que não era possível se defender de todas as criaturas, então decidiu que atacaria uma de cada vez, focando seu olhar em apenas uma delas, que estava bem à sua frente, quase na altura do chão.

   Fez o melhor para acompanhar aquele ser, girou-se rapidamente 90 graus para a direita quando o bicho saltou para uma árvore, depois, em um pulo, deu quase uma meia-volta completa quando a pequena criatura saltou por cima de sua cabeça, para uma árvore do outro lado, mas ele estava tão concentrado em seguir aqueles olhinhos, que ao girar mais uns 90 graus para sua esquerda, não percebeu um galho retorcido pendurado na altura de sua cabeça.

   O choque com o galho lhe causou três arranhões no lado esquerdo do rosto e foi o suficiente para ele se distrair e baixar a guarda por um segundo.

   Ao recuperar a postura, só teve tempo de ver aquele par de olhos que ele seguia pulando na sua direção e aumentando de tamanho à medida em que se aproximava.

   Por puro reflexo, moveu seu cajado de encontro à criatura, atingindo-a em cheio, jogando-a de volta para o breu dos arbustos. Antes que ele pudesse se dar ao luxo de se recompor, sentiu um ser agarrar-se em suas costas e notou que todos aqueles dez ou talvez mais seres estavam pulando em sua direção.

   Num ato de desespero, começou a bater com seu cajado em tudo que estivesse próximo. Com extrema destreza, sentia seus golpes acertando galhos, arbustos e criaturas, também percebeu que havia perfurado alguns seres e árvores.

   Ele podia ver que em cada batida que seu cajado desferia, criava-se uma onda de energia azul clara, aumentando o impacto e o poder de seus golpes.  Mas isso tudo parecia não ser suficiente para frear aqueles animais enfurecidos, nada adiantava, eles sempre voltavam, e cada vez mais rápidos, cada vez mais ferozes.

   Após alguns minutos de combate, Ragy Lemar golpeou com força demais uma árvore, partindo seu cajado ao meio. Sentiu o peso dos pequenos seres em suas costas e ombros e caiu de joelhos, sentia-os golpear e arranhar sua cabeça e suas costas, sua visão estava ficando turva, estava tonto, como quem pisa em terra firme após dias de navegação em mar aberto, sentia sua força se esvair.

   Mas reuniu toda a energia que ainda possuía em seu corpo e em sua alma e proferiu as palavras mágicas: “evanescente malum”.

   Um calor percorreu todo o seu corpo, seus pulmões queimavam, ele sentiu suas mãos formigando, sua cabeça parecia que ia explodir, gritou. Apertou os olhos com a luz forte que irradiou das palmas de suas mãos voltadas para cima, sentiu o peso em suas costas sumir, o vento frio da floresta passando em seus cabelos, ouviu apenas o silêncio, ficou aliviado, sabia que o mal fora embora, por enquanto.

   Ainda estava muito tonto e foi caindo ao passo em que perdia a consciência. Ao colidir de rosto com o chão abriu os olhos num susto, estava tudo claro, ele não estava mais na floresta, mas sim deitado numa pequena cama, em algum lugar desconhecido.

   A luz do sol invadia o pequeno cômodo pela janela de madeira empenada, com cortinas brancas manchadas, castigadas pelo tempo. Ragy Lemar estava em uma cama de solteiro de colchão mole, suas costas doíam.

   Ele não fazia ideia de como fora parar ali. A única coisa que lembrava era de estar no escuro e caindo. Ainda estava sonolento e com a visão um pouco turva, mas conseguiu distinguir em um dos cantos do quarto, próximo à porta entreaberta, apoiado no chão de madeira e na parede de pedras, o seu cajado partido ao meio.

   Instantaneamente, uma onda de frio percorreu sua espinha, e como em um flash ele se lembrou do confronto com as criaturas na floresta. Aquilo foi o suficiente para que ele despertasse de vez.

 

 

CAPÍTULO 4: Preparativos

 

   Antes que tomasse qualquer ação, a porta se abriu lentamente. Parada diante da entrada do quartinho, estava uma mulher alta e corpulenta, com os cabelos ruivos e lisos, com um corte em formato de cuia, destacando suas grandes bochechas rosadas, que davam ao seu rosto um ar de bondade, sua pele era muito clara.

   A mulher trajava um vestido verde longo, lhe cobrindo as curvas rechonchudas, e usava um avental branco, manchado de vermelho.

   – Óia só, ocê acordou! – disse a mulher com ternura. – Como tá se sentindo? – Ela perguntou em um tom de preocupação.

   – Onde estou? – perguntou Ragy ainda confuso.

   – Bem, você deve tá faminto! Tá dormindo tem mais de dia! – falou a moça com a voz aveludada – Venha. Eu preparei um belo de um café da manhã à moda da Madame Puff! – sua voz ficava mais aguda quando falava com empolgação.

   Ragy não pensou muito no que tinha acontecido ou em quem era aquela mulher, ele apenas sabia que ela tinha razão, ele estava faminto. Apesar de desconfiar da situação, suas dúvidas poderiam ser esclarecidas após uma bela refeição.

   Ao se levantar, ele se espreguiçou e sentiu o corpo todo estalando. A dor nas costas ficou mais intensa por um breve momento e depois voltou a ser apenas um pequeno incômodo. Ragy ignorou-a e seguiu aquela mulher de avental até o seu esperado desjejum.

   Ao sair do quarto, notou que estava no segundo andar, o local estava cheio de mofo e manchas de umidade nas paredes e no teto, os sinais de desgaste pelo tempo eram muitos. Descendo as escadas, cada degrau de madeira rangia mais que o anterior.

   Chegando na cozinha, não havia o banquete que ele esperava, mas tinha comida o suficiente para ele matar sua fome. Pães, leite, ovos, uma geleia caseira e uma torta ainda quentinha o esperavam. Sem pensar duas vezes, Ragy Lemar sentou-se à mesa, passou geleia em um pão e começou a comer.

   – Nós ficamos realmente preocupados com você! Ainda bem que nós temos o padre Lucius, ele é tão corajoso… – ela falou quase suspirando. – Mas eu nem me apresentei, sou a Madame Puff, dona dessa estalagem. Por favor, sinta-se à vontade! – Madame Puff tinha um jeito alegre e agitado de falar.

   – Eu sou Ragy Lemar, muito obrigado pela hospitalidade, Madame Puff. Não pretendo ficar aqui por muito tempo, tenho que me apressar, preciso ir até a Vila das Cinzas! – Ele declarou com convicção.

   – Então, pode ficar o quanto quiser, bobinho, você já está na Vila das Cinzas! – Madame Puff levava a mão até a boca para esconder o riso de seu hóspede.

   Ragy quase se engasgou com o gole de leite que estava tomando quando soube que já estava em seu destino final. Seu coração acelerou, estava ansioso, não sabia qual era o próximo passo a tomar agora. Lembrou-se de seu cajado partido e perguntou:

   – Madame Puff, no caminho até aqui eu enfrentei alguns desafios e meu cajado se partiu ao meio, será que eu consigo encontrar alguém nessa vila capaz de consertá-lo para mim?

   – Meu jovem aventureiro, temos aqui o melhor ferreiro num raio de quilômetros!! Termine seu café da manhã que eu levo você até ele. – disse Madame Puff de forma bem solícita. – Quem sabe a gente também não dá sorte de encontrar com Lucius no caminho? – suas bochechas ruborizaram ainda mais e novamente soltou uma risadinha.

   Alguns minutos mais tarde, Ragy Lemar, carregando seu cajado, e Madame Puff, estavam adentrando a taverna de Will Burley. Exatamente como era de se esperar, lá estavam todos os moradores do vilarejo.

   Todos os olhares se voltaram para a figura daquele homem vestido em um manto azul. Foram criadas diversas teorias a respeito do rapaz, do que acontecera com ele na noite em que o padre e Will o encontraram na floresta e o porquê dele estar ali.

   – Ora, ora! Se não é o aventureiro misterioso! – debochou Pratt Strongarm.

   – Pare Pratt! – pediu Madame Puff – Este é Ragy Lemar, ele precisa de seus serviços. O cajado dele foi partido e precisa ser consertado. – ela falou séria, diretamente para o ferreiro.

   – Pois bem! Mas aviso logo que cobro um valor justo, por uma mão de obra tão qualificada! – Pratt sabia que o ferreiro mais próximo dali estava há mais de 3 dias de viagem, logo, ele poderia cobrar o quanto quisesse.

   – Que assim seja. – disse Ragy, tirando de dentro de seu manto um pequeno saco com moedas de ouro e colocando no balcão em frente ao ferreiro, estendendo o cajado em sua direção com a outra mão. – Ao trabalho! Preciso deste cajado novinho o mais rápido possível.

   Assim que o jovem terminou de falar, Pratt Strongarm pegou o cajado e o saco de moedas e apressou-se a ir à ferraria fazer seu trabalho.

   – Me desculpe pela forma com ele fala, meu jovem. Sou o padre Lucius, sente-se aqui ao meu lado. – convidou-o o padre Lucius. – Aceita alguma bebida? De certo que meu amigo Will Burley há de providenciá-la para você. 

 – Eu aceito apenas água, por favor. – imediatamente, Dorothy, filha do taverneiro, serviu-lhe uma caneca com água.

   – Conte-me, o que te traz a um lugar tão longínquo? – perguntou o padre com verdadeira curiosidade.

   – Padre Lucius, eu vim até aqui buscando me provar como um jovem mago, portanto, pretendo encerrar a maldição da caverna dos cristais. – Ragy falava com um brilho nos olhos.

   Todos se entreolharam e o padre logo falou:

   – Isso é maravilhoso! Por anos sofremos com essa maldição. Essa Vila já foi um lugar muito rico e poderoso…

   Mas antes que o padre pudesse continuar a contar a história do lugar, o jovem o interrompeu:

   – Eu estou ciente de toda a história deste local. Peço apenas que me diga, que tipo de maldição há na caverna?

   – Ora, bem, eu… – gaguejou o padre, antes de respirar fundo e prosseguir com a explicação:

– A maldição da caverna transformou as pobres almas que lá pereceram em entidades malignas, que assolam todos que buscam pegar para si as joias e riquezas restantes em seu interior. Ninguém que já entrou na caverna, jamais foi capaz de superar o poder da maldição.

   Houve um momento de silêncio, o mago agora tinha certeza de que sua missão não era fácil, mas ele sabia que estava preparado! Sua convicção era inabalável.

  O silêncio foi quebrado por palmas e uma risada que vinha do fundo da taverna, Ragy nem tinha notado a presença de uma pessoa ali, aquele era Bóris.

   – Hahahahaha! Bravo! Comovente seu discurso, padre! – todos podiam perceber o escárnio em suas palavras. – Garoto, se quiser um conselho: Vá embora! Não existe maldição, não existem joias, não existe nada disso! Essas pessoas são uns pobres coitados, loucos, abandonados aqui por todos, para apodrecerem e entrarem no esquecimento. Pense bem, se existisse algum maldito bem precioso dentro daquela maldita caverna, você acha que esse maldito lugar estaria vazio assim?? Haveria fila para entrar lá!! Todo mundo quer um pedacinho de um tesouro! Mas aqui não há nada! Tudo o que restou depois do fogo do exército do Sul foi prata e carvão! Toda a prata que tinha lá dentro já foi saqueada! Só resta o carvão! Dor, sofrimento e carvão! Se entrar lá, é só o que vai achar.

   – Saia da minha taverna agora, seu bêbado imundo! Anda! – interrompeu Will.

   – Com prazer. Toma aqui o seu pagamento, pode ficar com o troco. – disse Bóris, andando cambaleante em direção à porta, com um punho fortemente cerrado, e lançando para Will uma pequena pepita de esmeralda com a outra mão.

   – Bóris! – Chamou-o o padre Lucius, antes que ele tivesse saído da taverna. – se não há nada de valor lá dentro, por que você ainda está aqui?

   Ele parou, sem se virar para trás, e abriu um pouco o punho fechado deixando escorregar um cordão de prata. Ainda virado de costas, falou:

   – Meu filho estava trabalhando na mina, eu vou recuperar seus ossos e lhe dar um enterro digno. – e saiu batendo a porta atrás de si.

   Todos os presentes na taverna estavam em estado atônito após a saída de Boris. Ragy Lemar sentiu pena daquele homem, sentia que ele estava sofrendo. Mas ficou pensando em seu conselho: “Vá embora! Não existe maldição, não existem joias, não existe nada disso!”.

  – Será que ele tem razão? – ele se perguntava. – Vim de longe, enfrentei criaturas malignas no caminho, para nada? Não, ele não pode estar certo. De qualquer forma, eu preciso entrar lá e ver com meus próprios olhos. Se ele estiver certo, não haverá riscos. Se estiver enganado, vou cumprir minha missão. – sem perceber, o jovem sussurrava baixinho seus pensamentos, mas alto o suficiente para que o padre Lucius pudesse escutá-los.

   – Meu filho, não te preocupes com as palavras deste ébrio. Siga teu caminho! O Deus bom e misericordioso já preparou algo para você, e se tua intuição disseste que tens que enfrentar a obscura caverna, você há de fazê-lo! – aconselhou-lhe o padre com sua voz grossa e suave.

   Ragy apenas balançou a cabeça, concordando. Bebeu toda a água que restava em sua caneca e levantou-se para ir até a ferraria buscar seu cajado com Pratt Strongarm. Porém, ele se lembrou que não sabia como chegar até lá e antes mesmo que pudesse perguntar o caminho a porta se abriu. Lá estava Pratt com o cajado consertado.

   – Aqui está garoto! – falou orgulhoso o ferreiro, erguendo o cajado em direção ao mago. – Novinho em folha! Eu tive que lixar a parte quebrada, pra poder encaixar um pedaço novo de madeira, usei cedro negro igual à original. Daí grudei tudo com musgo da floresta, não vai soltar nunca mais! E pelo valor que você me deu, banhei ele todo em cobre, pra não ter o risco de partir de novo.

   – Devo admitir que estou impressionado. – comentou Ragy Lemar ao analisar seu cajado recém consertado. Ele deu duas batidinhas com a arma no chão e pôde ver a turmalina brilhando, deixando o interior da taverna azulado. – Vejam que coisa linda, a aura que emana da minha pedra preciosa! – disse ele, convidando todos a apreciarem aquela maravilha.

   Os presentes se entreolharam sem entender o que aquilo significava.

   – Do que você está falando? – Perguntou a Madame Puff.

   – Ahh… eu sempre esqueço! Apenas quem possui dons mágicos pode enxergar as auras. – explicou o jovem mago. Ele deu mais uma batidinha com o cajado no chão e caminhou até a saída. – voltarei em breve!

   – Levá-lo-ei até a entrada da caverna. – falou o padre apressando-se em acompanhá-lo.

   Os dois caminharam em passos rápidos e sem trocar nenhuma palavra, até chegarem ao mausoléu da igreja decadente da pequena Vila das Cinzas. Ainda em silêncio, o padre abençoou o jovem e indicou para ele o caminho até a entrada da caverna.

 

Capítulo 5: A caverna 

   Ele estava sozinho agora, adentrando a caverna escura com passos lentos e cautelosos. Apesar do dia ensolarado, a luz não iluminava mais que os primeiros metros do caminho. Com duas batidinhas de seu cajado, pôde ver seu caminho através da luz que emanava de sua turmalina. Os sons das batidas ecoaram pela caverna, que respondeu com um pesado silêncio.

 

   Ragy Lemar estava nervoso, não sabia o que esperar daquele lugar. Seus pensamentos se alternavam entre a explicação que o padre Lucius lhe dera sobre a maldição e a fala esbaforida do bêbado Bóris.

   À medida que se aprofundava nos túneis submersos, sentia o ar ficando mais pesado e mais frio. De repente, se deparou com uma grade de ferro que poderia lhe impedir de continuar, se já não tivesse sido serrada, possibilitando-o de passar espremido por entre dois vergalhões enferrujados. Ele imaginou que essas barras de ferro deveriam ter sido colocadas ali pelo exército do Sul para aprisionar seus oponentes. E teve certeza quando reparou o esqueleto de 2 mãos pequenas, ainda conectadas ao antebraço, agarradas às barras de ferro.

   Aquela cena lhe causou um sentimento de impotência e tristeza. Era o preço da guerra, ele pensou, e continuou seguindo seu objetivo de encontrar sinais da maldição.

   O caminho se tornava cada vez mais estreito e cheio de ossos pelo chão, crânios, costelas, e fêmures eram os mais fáceis de distinguir em meio àqueles montes. Já não era mais possível caminhar sem pisar e quebrar alguns deles.

   O jovem mago sabia que toda maldição sempre está atrelada a algum objeto mágico ou água contaminada com magia negra, então ele precisava chegar até o fundo da caverna onde provavelmente haveria água.

   As paredes ficavam cada vez mais próximas e o teto cada vez mais baixo, com 1 metro e 70 de altura, Ragy já precisava andar curvado pelo caminho para não bater a cabeça. Pelo menos naquele lugar não tinham tantos esqueletos, as pessoas que estavam ali provavelmente correram para os dois extremos da caverna em uma tentativa desesperada de se salvar.

   Ter que andar cada vez mais curvado fazia com que a dor nas costas o incomodasse cada vez mais. Seguir aquele túnel já se tornava uma tarefa bastante árdua, quando Ragy avistou um buraco que levava para baixo. Ele deixou transparecer sua felicidade ao ver o túnel, sabia que quanto mais para baixo maior a probabilidade de encontrar água. O buraco era escavado direto na pedra e possuía uma escada de corda presa a duas estacas de ferro.

   O mago prendeu seu cajado ao cordão do manto e adentrou ao túnel escavado. Desceu a escada inteira sem dificuldades. Lá embaixo havia um grande salão, lotado de esqueletos e teias de aranha, mas o que realmente era interessante naquele local, além do seu tamanho, era o barulho bem baixo de água corrente. O jovem tinha razão, ali havia água!

   Ao tirar seu cajado do cordão, Ragy percebeu um vulto passando atrás dele, e virou-se com extrema destreza, mas não havia nada fora do comum. Então, seguiu cautelosamente e preparado para entrar em ação.

   O som ficava mais alto à medida em que ele caminhava. Novamente ele viu um vulto passando por ele e ao virar-se, viu uma garotinha sem um braço, com um olho pendurado para fora da cavidade ocular. Ela estendeu seu braço em direção a ele e pediu:

   – Moço, você pode me tirar daqui? Dói muito!

   Antes que ele pudesse responder, ela desapareceu, como uma miragem. Os batimentos cardíacos dele aceleraram. O frio do local se transformara em calor, e ele suava. Suas pupilas dilataram, era possível sentir o mal à espreita.

   Com certeza havia ali uma maldição, tinha que haver. Ragy segurou seu cajado com as duas mãos e seguiu caminho em direção à corrente de água.

   Enquanto isso, do lado de fora da caverna, Bóris estava se preparando para sua sétima expedição, quando ouviu um burburinho vindo da rua. Um cavalheiro que se mostrava bastante preocupado chegara na vila e chamou a atenção de todos.

   – Olá cidadãos da Vila das Cinzas! Me chamo Felan Magrab e estou à procura do meu primo Ragy Lemar! – gritou o cavaleiro para que todos os presentes o pudessem escutar.

   – O que você quer com o jovem Ragy? – perguntou de forma agressiva o ferreiro Pratt Strongarm.

   – Meu primo corre sérios perigos! Eu preciso encontrá-lo para que possa levá-lo para casa em segurança! Ele não deveria andar sozinho por aí! – Respondeu Felan, preocupado.

   Bóris percebeu a sinceridade do rapaz, mesmo que todos os outros moradores da vila estivessem desconfiados, então ele decidiu se intrometer:

   – Seu primo foi para a caverna já tem alguns minutos. Eu estou indo para lá agora, se quiser me seguir, fique à vontade.

   – Bóris, o que está fazendo? Nem conhecemos esse sujeito. Ele pode estar mentindo! – Falou o padre irritado.

   – Ora, padre, pelo amor do seu Deus cale essa boca e me deixe em paz! – disse Bóris, agora mais sóbrio, enquanto se dirigia para a entrada do mausoléu.

   Felan rapidamente amarrou seu cavalo e correu até conseguir acompanhar o homem alto e mal-encarado que andava em direção ao paradeiro de seu primo “perdido”.

   – Muito obrigado pela ajuda, qual o seu nome? – perguntou Felan, um pouco esbaforido pela corrida.

   – Me chamo Bóris.

   – Obrigado, Bóris! Quando a gente era pequeno, prometi pro meu primo que nunca mais ia perder ele de vis… – Antes que pudesse terminar sua frase, foi interrompido de forma ríspida por Boris.

   – Ok. Pode me acompanhar, mas faça silêncio, por favor.

 

 

Capítulo 6: Uma fonte de água

 

   Dentro da caverna, a cada passo que Ragy dava, a presença maligna se tornava mais forte. Ele via os vultos passando em sua frente e começou a ouvir vozes, gritos de dor, choros desesperados, via miragens de pessoas pegando fogo correndo em sua volta, desesperadas.

   Os sons do sofrimento daquelas pessoas eram altos demais, ele não conseguia mais escutar a água, não fazia ideia de para onde ir. Sua cabeça doía, as mãos tremiam, sua respiração estava ofegante e sentia o corpo fraquejar.

   Em uma tentativa de fazer os sons cessarem, levou as mãos aos ouvidos e fechou os olhos com força, tentando se concentrar. Mas o som foi ficando cada vez mais alto, ele não sabia por quanto tempo poderia suportar. Mais alto, ele achava que seus ouvidos iriam estourar, mas quando estava no limite da dor, o som parou.

   Ele estava de joelhos, e ao tirar as mãos dos ouvidos, ouviu o silêncio, a corrente de água bem próxima e o som de algumas goteiras.

   Antes de levantar, sentiu alguém tocando em seu ombro. Ao se virar, viu aquela mesma garotinha de antes, olhando fixamente para ele. Seu olhar parecia atravessar sua alma, era profundo, e podia ser definido como um olhar de puro pavor. E ela disse:

   – Eles vão pegar você! – e começou a correr em direção à saída, enquanto desaparecia.

   O mago ainda estava se pondo de pé enquanto tentava entender quem são “eles”, aos quais a menininha se referia, quando avistou um esqueleto andando em sua direção, vindo da mesma direção que a menina correra.

   Não pensou duas vezes, correu em direção ao esqueleto e desferiu um golpe com o cajado, de cima para baixo, gerando uma onda de luz azulada, quebrando o esqueleto em vários pedaços.

   Ele não tinha tempo a perder, precisava chegar à fonte da magia logo. Porém, quando virou-se, viu outros dois esqueletos se aproximando, esses andavam mais rápido e um deles portava consigo um colar prateado, como aquele que Boris mostrara na taverna.

   Ragy acertou em cheio, em um golpe circular da direita para a esquerda, as costelas de um dos esqueletos e pôde ver o raio azul despedaçando ambos os esqueletos. Ele lamentou ter dado aquele golpe, pois sabia que provavelmente destruíra o esqueleto do filho de Bóris. Mas sua lamentação não durou mais que alguns poucos segundos, pois ele escutou uma risada maligna, seguida pela volta dos vultos e gritos de sofrimento.

   O calor estava insuportável, como se as chamas daquelas miragens estivessem aquecendo todo o local. Sua cabeça latejava, e a visão começava a ficar turva, dificultada pelo suor que ardia ao cair nos olhos. Mas isso não o impediu de ver uma horda de esqueletos correndo em sua direção, alguns sem crânio, outro sem braço e sem as pernas, arrastavam-se em sua direção.

   Não havia outra opção, o mago precisava lutar por sua vida. A cada esqueleto que ele derrubava, parecia surgir mais dois. Ele tinha a impressão de que os ossos espalhados se reorganizavam e formavam novos esqueletos, eles não paravam de vir.

   Ragy usava toda sua habilidade em combates marciais, girando seu cajado em todas as direções e proferindo algumas palavras mágicas que lhe permitiam conjurar ondas e raios de poder que afastavam e desmontavam vários esqueletos de uma vez.

   Porém, eles eram incansáveis, e Ragy estava esgotado. Alguns esqueletos agarraram suas pernas. Mas ele foi rápido o suficiente para esmagar seus crânios com uma cajadada. Só que isso não era o suficiente para afastar os outros milhares de esqueletos à sua volta.

   Eles seguraram seu braço direito, o impedindo de usar seu cajado. O mago não tinha mais forças para lutar.

   Caiu de joelhos no chão, soltou seu cajado, sentia sua roupa ser rasgada pelas criaturas, junto com a sua pele. O peso dos ossos em cima dele era demais, caiu deitado com o peito para baixo.

   O som dos gritos de dor estava abafado pelo som dos ossos se batendo. Seus músculos queimavam de exaustão, e podia sentir uma dor aguda em sua mão esquerda, um dos esqueletos atravessou-a com um osso pontiagudo, rasgando a pele do dorso e atravessando a carne até sair pela palma da mão. Gritou.

   Bóris e Felan estavam andando nos primeiros metros da caverna quando ouviram um grito de dor que ecoava pelas paredes do túnel. Os dois sabiam quem era aquele que gritou e começaram a correr.

   – Felan, se acalme! Eu tenho certeza de que aqui não há nenhum perigo. Essa é minha sétima expedição. Seu primo deve ter caído da escada que existe mais adiante. Deixa que eu vou na frente, pra ninguém se machucar! – falou Bóris, tentando acalmar Felan, e demonstrando preocupação.

   – Você não está entendendo! Meu primo não é mago, só de estar sozinho ele está correndo perigo, vamos logo! – falou Felan, muitíssimo preocupado e apressando o passo.

   Ragy pensou em como aquela maldição era poderosa demais até para ele. Não havia mais saída, não lhe restavam forças.  E, como em um “flash”, recordou-se de sua infância e dos momentos marcantes que passara até ali.

   Lembrou-se do lobo e como ninguém acreditou nele, exceto sua mãe; de como ela lhe encorajava a continuar seus treinamentos, enquanto todos lhe diziam que ele não era capaz.

   Recordou das pessoas rindo quando o pequeno Ragy demonstrava suas habilidades mágicas, dizendo que a criança via coisas, e de sua mãe abraçando-o e reconfortando-o, dizendo-lhe: “Não dê ouvidos a eles! Eu posso ver o quão especial e talentoso você é! Continue acreditando em si mesmo! ”.

   E rememorou o dia em que decidiu mostrar para todos que estavam errados, e que se provaria um grande mago, saindo de sua cidade natal e indo em busca da tão falada caverna das cinzas.

   Boris e Felan chegaram correndo ao pequeno poço escavado na pedra e desceram rápido, sem pensar duas vezes. Andaram cerca de 30 metros até avistar Ragy Lemar caído em uma pequena poça d’água, de uns 3cm de altura.

   Ele estava se debatendo, com os olhos bem abertos, as pupilas dilatadas, porém com o olhar vazio e gritava desesperadamente:

– SAIAM!! SAIAM DE CIMA DE MIM! MONSTROS! SAIAM DE MIM! ME DEIXEM EM PAZ! SAIAM DAQUI!!!

   Uma goteira caía diretamente em sua mão esquerda, a única parte de seu corpo que estava parada. E em volta dele, além de seu cajado jogado a não mais que 5 metros de distância, não havia absolutamente nada. Apenas a escuridão gélida da caverna.

Escrito por: Leo Rodrigues


 

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